O programador, empresário e investidor Paul Graham publicou um artigo afirmando que as leis de imigração americanas impedem que talentos de outros países possam trabalhar nos EUA. Em resposta à esse artigo alguns programadores e empresários conhecidos sugeriram à ele que o trabalho remoto seria uma solução melhor para esse problema. Outros reforçaram a opinião do Paul Graham e começou aí a discussão.
Já faz quase 2 anos que trabalho remotamente para uma empresa de São Paulo a partir de Curitiba. Eu fui o segundo funcionário da empresa a ser contratado para trabalhar desse jeito. Hoje já temos 7 profissionais trabalhando assim.
Não vou mentir pra vocês: no começo foi bem complicado. Erramos de todas as formas e falhamos miseravelmente várias vezes até conseguirmos fazer as coisas funcionarem bem. Ainda está longe da perfeição mas a empresa, as equipes e os remotos estão se esforçando muito para melhorar.
Entre o caos e a situação em que estamos hoje houve um “turning point”. Um momento em que decidimos fazer a coisa funcionar.
Primeiro resolvemos estudar o assunto. Eu comprei livros e mais livros, assisti palestras e mais palestras, busquei referências em artigos, e refleti muito sobre nossos problemas.
O problema principal era a interação deficitária da equipe. Mesmo sendo uma equipe ágil que pratica SCRUM existiam muitos vícios na forma como os membros da equipe interagia. Era uma interação “olho-no-olho”, extremamente verbal (offline) e síncrona.
Essas três características são péssimas:
- “Olho-no-Olho”: as reuniões diárias eram feitas com todos de pé (standup meeting) com todos os integrantes no escritório. Não preciso dizer que isso não rola para equipes remotas, certo?
- Comunicação Verbal Offline: para uma equipe remota toda comunicação verbal já é deficitária (precisa de headset, conexão, ajustar o áudio, etc). A comunicação verbal “offline” é ainda pior. Eles decidiam coisas lá em SP e a gente nem ficava sabendo.
- Comunicação Síncrona é aquela em que os intelocutores precisam estar “conectados” simultaneamente para transmitir a mensagem. Mesmo para trabalho local ela é ruim porque é uma comunicação que interrompe as pessoas. Exige a atenção delas. É o “cutucão no ombro”, o chamar no Skype, a “reuniãozinha rápida”, etc.
Enquanto ia refletindo sobre isso eu me lembrei sobre como foi trabalhar na Conectiva. A Conectiva foi o lugar onde trabalhei onde a comunicação da empresa era um exemplo de eficiência. Toda a comunicação da empresa funcionava pelos meios eletrônicos de forma extremamente eficaz:
- Listas de Discussão (mailman com histórico online): toda a comunicação “séria” da empresa era feita por email em listas. Todos policiavam o bom uso do email e davam puxões de orelha em quem não usava do jeito certo. Existia uma hierarquia de listas (toda a empresa, equipe técnica, desenvolvimento, etc) e listas para coisas informais (off-topic). O email era para comunicação assíncrona e gerava longas threads muito bem escritas e organizadas onde se discutia quase tudo. Não era para preguiçosos porque exigia bastante esmero dos participantes.
- IRC: a empresa tinha um servidor interno de IRC com salas organizadas também de forma hierárquica. Era usado majoritariamente pela equipe técnica (a parte administrativa da empresa usava ICQ… lembrem-se que era 2000). Aqui rolava a comunicação síncrona e a coordenação do trabalho.
Observem que não tinha nada de mais nas ferramentas. Mas elas eram usadas de forma correta e havia um policiamento por parte de todos para que isso não fosse desvirtuado.
Olhando pra isso é possível enxergar que a gente trabalhava “remotamente” no mesmo escritório. Não fazia diferença o local onde a gente estava. O trabalho aconteceria de qualquer forma porque tudo era comunicado o tempo todo pelos meios eletrônicos (salvo raras exceções e brincadeiras entre os integrantes da equipe).
Percebi que “tinha algo ali” mas guardei isso comigo.
Em 2013 a empresa onde trabalho mandou um ônibus para Brasília onde participaríamos da PythonBrasil[9]. Em Brasília tudo é “longe” e esse ônibus virou um transporte extra-oficial dos participantes do evento. Um dos convidados do ônibus foi o Sidnei da Silva e na época o Sidnei trabalhava remotamente para a Canonical. Uma grande oportunidade de aprender algo.
Entre as várias dicas que ele nos passou teve uma que me chamou a atenção: “a equipe tem que saber trabalhar remotamente mesmo que esteja no mesmo local”. Bingo!
Meu gerente (que também pesquisava o assunto) estava do meu lado quando o Sidnei disse isso e também percebeu a importância dessas palavras. Voltamos para o trabalho decididos a implantar esse sistema.
Não foi fácil mas conseguimos. Fizemos o seguinte:
- “Forçamos” o uso de um headset para todos os integrantes da equipe (inclusive quem está no escritório);
- As Dailys (usamos SCRUM) seriam feitas online (usamos o Mumble em um servidor próprio);
- Movemos a maioria das conversas e discussões para os meios eletrônicos (isso diminuiu as interrupções causadas pelo “cutucão no ombro”);
- Migramos todos os nossos whiteboards e post-its para o mundo virtual (usamos Scrumdo mas estamos avaliando alternativas melhores);
- Usamos Slack e estamos adorando. Avaliamos e usamos outras (IRC próprio, Grove.io, Hipchat) mas o Slack detona;
- Pareamos com tmate (temos um servidor pra isso) ou Teamviewer mas como a “fauna” de editores de texto e IDEs na empresa é abundante estamos sempre procurando algo melhor. E o Google Hangout é uma bosta. Nem adianta recomendar ele pra gente 😀 (Floobits?);
- Já usávamos Github mas passamos a aproveitar melhor o sistema.
Tudo isso foi legal e bacana mas o que realmente foi importante nessa mudança foi o compromisso de cada um para que o trabalho desse certo. Começamos a nos policiar e “brigar” para que as coisas funcionassem do jeito certo.
Foi importante mostrar para a equipe de SP que, se isso desse certo, eles também poderiam se beneficiar. Poderiam escolher entre ficar em casa ou encarar o trânsito de SP, por exemplo. Alguns poderiam até trabalhar mochilando!
Para a empresa? Só sucesso… ela consegue contratar os melhores funcionários mesmo que eles não queiram morar em SP. Conseguem economizar com infra-estrutura e com folha de pagamento (um salário bom em SP é excelente no interior de SC).
Quando eu era empresário sonhava em ter um escritório bacana cheio de gente foda trabalhando comigo. Hoje sou um defensor ferrenho do trabalho remoto. Acho que os governos deveriam incentivar essa forma de trabalho até mesmo como forma de melhorar o trânsito das grandes cidades.